Data traz visibilidade para as múltiplas características que as pessoas do espectro autista podem ter; habilidades socioemocionais ajudam no desenvolvimento desses jovens
O Dia Mundial do Orgulho Autista é celebrado em 18 de junho, com o objetivo de dar visibilidade às singularidades das pessoas diagnosticadas com o Transtorno do Espectro Autista (TEA). A data surgiu em 2005, por iniciativa da organização norte-americana Aspies for Freedom [Aspies para Liberdade], para valorizar a neurodiversidade, combater o preconceito e a discriminação e promover a inclusão e o respeito a essas pessoas.
Ana Carolina D’Agostini, mestre em Psicologia Educacional e gerente educacional da Semente Educação, reforça que, diferentemente do Dia Mundial da Conscientização do Autismo (2 de abril), o Dia do Orgulho tem um foco maior em trazer para o debate que o autismo não é uma doença ou uma condição a ser corrigida, mas uma forma de estar no mundo que tem as suas particularidades – e todos devem compreender quais são.
“Essa é uma oportunidade de mostrar que as pessoas são múltiplas dentro desse espectro. E de celebrar também conquistas de direitos, de tratamentos, discutir como está o ingresso na escola e no mundo do trabalho, além de denunciar e romper com barreiras sociais”, aponta. “Esses entraves muitas vezes ainda limitam essa população a ter uma participação social mais efetiva e encontrar formas de estar no mundo que sejam valorizadas e livres de preconceito.”
Importância de ambientes acolhedores e inclusivos
A gerente educacional explica que para um ambiente ser genuinamente inclusivo, em primeiro lugar, é preciso adequá-lo às características diversas das pessoas que vão ocupá-lo. Além disso, esse espaço não tem apenas que aceitar as diferenças, mas reconhecê-las como potências. Também é preciso que respeite as diferentes condições neurológicas. Por exemplo, um ambiente que prevê diferentes tempos para cumprir as tarefas, que permite formas alternativas de expressão, que não somente aquelas convencionais, ou que reduz o excesso de estímulos sonoros, que podem ser aversivos para pessoas do espectro que têm mais sensibilidade.
“Ao conhecermos melhor o que funciona para aquela pessoa, estamos protegendo a sua saúde mental e potencializando que ela se sinta de fato parte do ambiente -- e não tentando criar uma fórmula única que funcione para todos”, destaca.
Ela também considera necessário contar com a participação dessas pessoas na construção desses ambientes, assim como de suas famílias e especialistas em saúde mental.
O papel das habilidades socioemocionais nesse contexto
O desenvolvimento das habilidades socioemocionais é fundamental para qualquer pessoa, independentemente de suas características. “No caso de quem tem TEA, vai depender do grau e de como a pessoa se desenvolveu. Mas, de maneira geral, se olharmos para o modelo dos cinco fatores [autogestão, abertura ao novo, modulação emocional, engajamento com os outros e amabilidade], as competências da família da autogestão, como organização e foco, podem ajudar a trazer mais previsibilidade para a rotina e também diminuir a sobrecarga sensorial”, diz Ana Carolina.
Por exemplo, em ambientes escolares, ensinar a organizar os materiais em sequência visual, ter checklists ilustrados para dividir tarefas e apresentar em detalhes o que vai ser feito ao longo do dia ajudam a dar mais previsibilidade para a rotina e contribuem para que esses jovens se sintam emocionalmente mais seguros dentro da escola.
Sobre modulação emocional, ela salienta que é importante identificar os sinais físicos que jovens e crianças do espectro autista podem manifestar diante da ansiedade, por exemplo. E, nessa perspectiva, ver quais estratégias são interessantes para a autorregulação. Por exemplo, criar pausas sensoriais, diminuir os estímulos e ter um ambiente na escola que seja de tranquilidade e de descompressão. “Tudo isso ajuda a prevenir picos de emoções e promover espaços que eles podem procurar quando necessário.”
Em relação à família da amabilidade, a gerente de conteúdo ressalta que é especialmente importante que as pessoas da comunidade escolar desenvolvam a empatia em relação ao tratamento dos alunos do espectro autista. “Cada pessoa é única, e é importante conhecer como ela consegue se conectar ao outro e perceber sinais, para que essa empatia seja bidirecional e não apenas de um dos lados.”
No que diz respeito ao engajamento com os outros, segundo Ana Carolina, é preciso ter cuidado em como trabalhar essas competências, porque a conexão social e a leitura dos sinais do outro podem ser mais delicadas e desafiadoras para os jovens do espectro autista.
“É importante conhecer os limites que muitas dessas pessoas podem apresentar, como não querer toque físico e ter pouca tolerância ao excesso de barulho ou a falas em voz alta. E entender que as interações muitas vezes precisarão acontecer de forma mais cuidadosa e não da maneira como agiríamos automaticamente.”
Ela acrescenta ainda que alguns autistas com um grau de comprometimento maior podem ter dificuldade com a linguagem e ela não acontecer do modo convencional. Nesse cenário, as escolas precisam pensar em recursos visuais que podem ser usados para apoiar a comunicação dessas pessoas.
A diferença invisível
No contexto do Dia Mundial do Orgulho Autista, Ana Carolina cita o livro “A diferença invisível”, de Julie Dachez. Em formato de história em quadrinhos, a obra retrata de forma bastante sensível a vivência da autora, que recebeu seu diagnóstico de TEA tardiamente, por volta dos vinte e poucos anos.
A narrativa mostra como ela se sentia deslocada e não conseguia se compreender muito bem e nem se encaixar, por exemplo, em ambientes de trabalho que eram muito barulhentos e exigiam bastante interação social. “O diagnóstico, no caso dela, foi algo bastante libertador, porque ela passa a entender, por exemplo, como o seu cérebro lida com o excesso de estímulos e o contato social. Aí ela consegue fazer as pazes com a própria história e ver o que funciona na rotina dela sem trazer tanto sofrimento.”
O livro também evidencia como, historicamente, o diagnóstico do autismo em mulheres é muito mais invisibilizado do que em homens -- daí o título da obra. Isso porque ele acaba sendo mascarado por alguns comportamentos mais aceitáveis nas mulheres, como timidez excessiva e ansiedade. “Mulheres do espectro autista muitas vezes tendem a camuflar esses traços desde muito cedo para se adaptarem ao entorno, o que acaba gerando uma carga emocional muito forte e difícil de lidar, além do sentimento de não pertencimento e inadequação”, observa a gerente educacional.
Por fim, a obra faz uma crítica a conceitos capacitistas e à visão que muitos têm dos autistas como pessoas que necessariamente não se comunicam verbalmente e que apresentam comportamentos com estereotipias, como mexer muito as mãos -- isso, de fato, são coisas que existem, mas nem todas as pessoas são dessa forma.
“Esse é um livro muito legal para pensar em inclusão, equidade e saúde mental, e como a gente pode romper com a ideia de que o autismo tem necessariamente uma cara, um gênero e uma única forma de ser”, finaliza Ana Carolina.