Redes de acolhimento e escuta, além de ações que promovem perspectiva, propósito e esperança, fortalecem o senso de pertencimento e a saúde mental
Setembro é o mês de conscientização sobre a prevenção ao suicídio e a importância do cuidado com a saúde mental na preservação da vida. No Brasil, a campanha do Setembro Amarelo foi criada em 2014 pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e pelo Conselho Federal de Medicina (CFM). A escolha do mês se deve à data de 10 de setembro, definida como o Dia Mundial da Prevenção ao Suicídio pela Associação Internacional de Prevenção ao Suicídio e a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Ana Carolina D’Agostini, mestre em Psicologia Educacional e gerente educacional da Semente Educação, considera que o Setembro Amarelo é um marco importante para dar visibilidade e ampliar o debate sobre prevenção ao suicídio, mas sua maior contribuição está em inspirar ações contínuas de cuidado com a saúde mental durante todo o ano.
“O Setembro Amarelo é um ponto de partida, não um fim. Ele reforça a necessidade de cultivar ações e desenvolver competências socioemocionais ao longo de todo o ano, criando ambientes mais saudáveis, empáticos e engajados para apoiar pessoas em sofrimento emocional”, afirma.
Exemplos de práticas de prevenção ao suicídio
A gerente educacional destaca ações que promovem perspectiva, propósito e esperança, elementos essenciais para o bem-estar e fatores de proteção para a saúde mental:
O planejamento consciente de objetivos pessoais, acadêmicos e profissionais ajuda a criar metas significativas e a visualizar um caminho para o futuro. “O projeto de vida constrói um senso de propósito e protagonismo, reduzindo sentimentos de desesperança ou estagnação. Incentiva o planejamento e a orientação para o futuro, reforçando a crença de que mudanças positivas são possíveis”, ressalta.
- Cartas para o “eu do futuro”
Pesquisas de Hal Hershfield, da New York University (NYU), mostram que, quando as pessoas se conectam com o seu "eu do futuro", tornam-se mais propensas a cuidar de si mesmas e a tomar decisões mais saudáveis a longo prazo.
“As cartas para o ‘eu do futuro’ servem como lembrete tangível de que a dor atual é temporária e de que o crescimento e a mudança são possíveis. Também permitem externalizar pensamentos e refletir sobre os próprios avanços com o tempo e fortalecem a esperança e a resiliência ao visualizar um futuro em que as dificuldades terão sido superadas”, salienta a especialista.
Além dessas práticas, Ana Carolina comenta sobre outras ações que oferecem apoio emocional, criando redes de acolhimento, escuta e cuidado:
- Conversas abertas e sem julgamentos
Falar sobre emoções e saúde mental sem estigmas cria espaços seguros onde as pessoas se sentem ouvidas e apoiadas. Esses diálogos ajudam a buscar auxílio mais cedo, reduzindo o risco de as crises se agravarem.
- Fortalecimento das conexões sociais
Construir relacionamentos de apoio na família, na escola e na comunidade proporciona um senso de pertencimento, um dos fatores de proteção mais fortes para a saúde mental. Esse fortalecimento pode ser desenvolvido a partir das competências socioemocionais da família do "Engajamento com os Outros", como iniciativa social, assertividade e entusiasmo, que ajudam a criar laços mais sólidos e de apoio mútuo. E também das competências da família da "Amabilidade", como empatia, respeito e confiança.
- Desenvolvimento de modulação emocional e estratégias de enfrentamento
Programas que desenvolvem habilidades socioemocionais — como a modulação do medo, da raiva e da tristeza — ajudam a lidar com crises de forma mais saudável. Além disso, essas práticas promovem autoconsciência, flexibilidade emocional e estratégias de enfrentamento mais adaptativas, permitindo que a pessoa identifique seus gatilhos, regule suas reações e busque apoio quando necessário.
- Acesso ampliado a recursos de saúde mental
Tornar visíveis e acessíveis os serviços de apoio psicológico, linhas de ajuda e redes de apoio entre pares reduz barreiras para buscar ajuda. Normalizar o cuidado profissional reforça que pedir apoio é um ato de força, não de fraqueza.
- Promoção de rotinas saudáveis
Incentivar sono adequado, atividade física, alimentação equilibrada e momentos de lazer, além de cultivar uma rotina com propósito e significado, fortalece a resiliência e melhora a saúde mental de forma geral. Essas práticas auxiliam no gerenciamento do estresse e contribuem para o bem-estar no dia a dia.
Identificação de sinais de sofrimento emocional
A prevenção ao suicídio também inclui reconhecer sinais de sofrimento emocional nos outros, o que nem sempre é fácil. Isso porque eles podem ser sutis ou confundidos com traços de personalidade ou alterações momentâneas de humor. “Muitas pessoas escondem sua tristeza por medo de julgamento, estigma ou para não ‘sobrecarregar’ os outros”, diz Ana Carolina. “Além disso, o sofrimento emocional se manifesta de forma diferente em cada indivíduo, dificultando uma identificação padronizada.”
Mas há alguns sinais que podem ajudar no reconhecimento. Entre eles, a gerente educacional cita:
- perda de interesse em atividades antes consideradas prazerosas;
- mudanças visíveis de humor, como irritabilidade, apatia ou tristeza;
- expressões verbais ou não verbais de desesperança, como “não vejo mais sentido”;
- alterações no sono, no apetite ou nos níveis de energia.
No ambiente escolar, esses sinais também podem surgir como queda no desempenho acadêmico, aumento de faltas, isolamento nos intervalos, mudanças bruscas de comportamento ou conflitos frequentes com colegas e professores.
Promovendo a empatia e o diálogo
Outro ponto importante, segundo Ana Carolina, é cuidar de falas de culpabilização das famílias. “Responsabilizar famílias ou redes próximas gera vergonha e culpa, o que silencia discussões e atrasa a busca por ajuda ou o processo de cuidado. O suicídio é complexo e envolve múltiplos fatores além do controle de uma única pessoa.”
Um ambiente acolhedor favorece uma comunicação aberta e sem julgamentos, em que as pessoas se sentem seguras para expressar seu sofrimento. “E constrói confiança e solidariedade em famílias e comunidades, criando um ambiente de apoio mútuo”, acrescenta.
Para ela, comunidades, escolas, famílias e organizações públicas devem compartilhar a responsabilidade pela prevenção e pelo apoio. “Essa abordagem coletiva reduz a sensação de isolamento e fortalece os vínculos sociais protetores”, conclui.